quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Opiniões pessoais não fazem parte das homilias: é a Igreja que ensina

Entrevista ao professor Salvatore Vitiello, da Universidade do Sacro Cuore de Roma

Por Miriam Díez i Bosch
Roma, sexta-feira, 17 de outubro de 2008 (ZENIT.org).


As homilias devem falar da vida, e não do que o sacerdote pensa, porque os fiéis têm direito, participando da Santa Missa, a escutar o que a Igreja ensina, não o que um sacerdote pensa ou acha que seja certo em um momento determinado; as opiniões pessoais não devem nunca ser objeto de pregação pública, porque assim se faria uma instrumentalização da homilia. Estas são algumas das idéias do professor Salvatore Vitiello, entrevistado pela ZENIT por ocasião do Sínodo sobre a Palavra, que tratou também da problemática ligada às homilias.


Vitiello é professor de Teologia Sacramental no Instituto Superior de Ciências Religiosas de Turim, e de Introdução à Teologia na Universidade Católica do Sacro Cuore de Roma.


O Sínodo está preocupado com as homilias: às vezes são pobres e podem induzir os fiéis a buscarem «mais conteúdo» nas seitas. Que soluções podem ser dadas?
Vitiello: Antes de tudo, eu não generalizaria, afirmando que as homilias são «pobres». Há muitíssimos exemplos de grandes pregadores, realmente capazes de transmitir, com eficácia e autêntico conteúdo espiritual, o Evangelho do Nosso Senhor. Certamente, o problema existe e tem uma dupla raiz: no auditório e no pregador.



É necessário, no primeiro caso, ter presente que a comunicação, nas últimas décadas, mudou muito, trazendo consigo não só novos costumes, mas autênticas mudanças antropológicas, cujos efeitos se verão em um futuro próximo.


A possibilidade de comunicar, em qualquer lugar e instante, com quem se quer, a velocidade e rapidez da comunicação, a introdução dos mais modernos meios, constituem, talvez mais que a televisão, uma verdadeira e autêntica «revolução». Em conseqüência, nem sempre se está preparado para escutar uma homilia que, na realidade, configura-se como um discurso, uma narração, que prevê, para ser compreendida, o treinamento para um tipo de comunicação hoje não tão habitual.


Certamente, muito, eu diria que muitíssimo, depende do pregador. Os sacerdotes são conscientes de não ser «franco-atiradores», mas de exercer o próprio ofício sacerdotal por um mandato explícito de Cristo, através da Igreja. Segue daí que, também a pregação, que é um dos mais insignes serviços ministeriais, deva obedecer a este critério.


Na homilia, que não por acaso está reservada aos ministros sagrados e não pode ser pronunciada por fiéis leigos, exercita-se, de modo particular, o que a Igreja chama de munus decendi, o dever de ensinar. Ensinar o quê? Ensinar como?


A resposta à primeira pergunta é muito simples: Nada que não seja a pura doutrina da Igreja. Os fiéis têm o direito, participando da Santa Missa, de escutar o que a Igreja ensina, não o que um sacerdote, em certo momento, pensa ou acha justo. As opiniões pessoais não deveriam jamais ser objeto de pregação pública, porque se produziria assim uma instrumentalização da homilia.


Partindo do explícito kerygma cristão, segundo o qual Jesus de Nazaré é o Senhor Ressuscitado, Deus feito homem por nós e nossa salvação, é necessário saber apresentar de forma orgânica, progressiva e tendencialmente completa, todas as verdades da fé. É impensável que se pregue exclusivamente, por exemplo, sobre o amor, sem mencionar nunca a verdade e a justiça; ou que as homilias sofram uma «deriva moralista» insustentável, nunca oportunamente sub-rogada às razões sobrenaturais pelas quais vale a pena comportar-se de uma forma ao invés que de outra.


O ponto talvez mais delicado seja «como» pregar e ensinar. Creio que o primeiro fator é a fé e a convicção profunda, nutrida pela oração e a preparação do próprio pregador. O povo santo de Deus tem um «sexto sentido», sensus fidei (sentido da fé), com base no qual reconhece imediatamente se os sacerdotes falam de coisas das quais crêem e têm experiência, ou não.


É também fundamental aprender a suscitar as perguntas últimas no coração dos homens. É completamente inútil dar respostas, ainda que sejam dogmaticamente corretas ou moralmente justas, se no coração não se suscitou uma pergunta, um desejo. A pergunta e o desejo se suscitam através de um encontro pessoal (como confirma o Papa na encíclica Deus caritas est, n. 1), que desperte no coração o que parecia adormecido.


Se a homilia fala de «coisas que têm a ver com a vida», e dá respostas às perguntas fundamentais da existência de cada um, já não será cansativa! Talvez poderá ser discutida ou não compartilhada, mas não será cansativa.


É absolutamente necessário sair, também no que diz respeito à pregação, do «túnel do relativismo», dessa ditadura que impede anunciar a diferença entre verdade e falsidade, bem e mal, pecado e virtude.


Muitos jovens não conhecem a Sagrada Escritura. Há formas de corrigir esta lacuna?
Vitiello: Se uma pessoa, jovem ou adulta, não sabe algo é porque ainda não encontrou alguém que lhe faça interessar-se: alguém capaz de despertar nela o interesse por essa realidade. A Bíblia não é uma exceção deste critério. Quem não se encontrou com Cristo, vivo e presente em seu Corpo, que é a Igreja, que são os cristãos, os que hoje pertencem ao Senhor, dificilmente poderá interessar-se, de maneira correta, na Sagrada Escritura.



Existe, neste sentido, também um grave problema cultural: Se tirarmos do patrimônio comum, inclusive mais elementar, a referência ao Antigo e ao Novo Testamento, não compreenderemos quase nada da história da humanidade.


Tanto desde o ponto de vista artístico (pictórico, escultórico, musical ou arquitetônico) como quanto à estruturação jurídica e moral da sociedade, se não houver um conhecimento mínimo das Sagradas Escrituras hebraico-cristãs, a maior parte dos dados ficará completamente indecifrável.


Os meios para esta «operação cultural» são muitos e deveriam estar voltados sobretudo à instrução, a difusão da cultura bíblica com todos os meios, inclusive a internet, talvez não deixando o monopólio destas informações a sites pouco e mal-informados, freqüentados superficialmente.


Outra coisa é a aproximação existencial do texto Sagrado, que, como disse, depende de um encontro interpessoal significativo, no qual ressoa o anúncio da fé. Uma vida mudada por este encontro trará consigo o amor às Sagradas Escrituras, das quais são testemunhas estes encontros salvíficos, e que será, em todos os âmbitos, capaz de produzir uma «cultura cristã compartilhada».


Até que ponto biblistas e exegetas podem pesquisar na Bíblia?
Vitiello: No conhecimento humano, o método não é decidido arbitrariamente pelo sujeito conhecedor, mas o objeto conhecido o impõe. E o conhecimento é exatamente um encontro entre o sujeito e o objeto. Isso é realismo.



Se esta regra elementar for respeitada, não haverá limites na pesquisa bíblica, porque esta será simplesmente um «adequar-se» ao método que o próprio objeto – ou seja, o Texto Sagrado – sugere, sem esquecer nunca que a Revelação cristã não se limita ao Texto Sagrado, mas inclui a Tradição e o Magistério vivo, sem os quais não é possível interpretar autenticamente as Escrituras.


Não convém esquecer nunca que estamos diante da narração dos atos históricos realizados por Deus para a salvação dos homens e do mundo, narração que tem com verdadeiro autor o próprio Deus e, contemporaneamente, os hagiógrafos humanos.


O fato de que não haja limites para a pesquisa não significa necessariamente que todos os êxitos da pesquisa sejam corretos. O ser «especialista» ou «pesquisadores», em nenhuma disciplina nos salva de cometer erros, inclusive gafes macroscópicas. O critério vale também para biblistas e exegetas.


O Santo Padre Bento XVI, na Introdução ao livro «Jesus de Nazaré», ofereceu uma série de critérios para uma aproximação correta do Texto Sagrado. Acho que vale a pena retomá-los e partir daí, para toda pesquisa bíblica que quiser ser um verdadeiro serviço eclesial.

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